O Beberibe é um rio de natureza teimosa. Nasce no município de Camaragibe, na Região Metropolitana, e percorre 23,7 quilômetros de extensão até o Centro do Recife, onde faz suas últimas curvas a caminho do mar. A viagem da nascente à foz não é pacífica. O rio é castigado com toneladas de lixo e despejo de esgoto doméstico, exala mau cheiro, encontra-se entupido de areia, desaparece debaixo da sujeira e reaparece como um filete de água. Mas está vivo, ainda, com as margens tomadas por moradia.
De acordo com a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), a nascente do Beberibe fica no Clube Campestre Sete Casuarinas, criado há 42 anos no Km 12 da Estrada de Aldeia. No local há duas lagoas de águas límpidas, monitoradas mensalmente pela CPRH. “É muito bonito de ser ver, mais ainda quando o rio está cheio e os açudes aumentam”, diz Luiz Arcanjo da Silva, 60 anos, o funcionário mais antigo, com três décadas de serviços no condomínio.
Placas informam que é proibido tomar banho nos açudes, rodeados de pés de jaca, araçá, bambu, manga e pitomba. Nas lagoas vivem peixes e tartarugas. “O olho d’água fica coberto pela vegetação, os açudes são os primeiros sinais de água”, comenta Luiz Arcanjo. Nem a nascente está livre de poluição, como constata a CPRH. Formado pela junção dos poluídos Rios Araçá e Pacas, o Beberibe passa por Camaragibe, Olinda e Recife.
Saindo da nascente, o Beberibe segue escondido. Volta a ser visível somente na BR-101 Norte, no bairro recifense de Guabiraba. Tão estreito que uma pessoa de 1,60 metro de altura passa de uma margem para a outra com um pulo, sem fazer esforço. A paisagem é composta de mato, isopor, garrafas de vidro e de plástico.
Acompanhar o curso d’água pelo bairro de Passarinho, Zona Norte do Recife, é um desafio. “O mau cheiro é horrível, é esgoto doméstico misturado com resíduos de fábricas”, afirma Josinaldo do Nascimento, 57, morador ribeirinho. “Dois anos atrás, eu pegava água atrás de casa para minha companheira lavar roupa, agora é muita poluição”, lamenta.
“O Beberibe está morrendo na Estrada de Passarinho. Como não tem saneamento, o esgoto das casas é jogado direto no rio. De um ano para cá, tudo piorou com os lançamentos das fábricas. Aqui era uma área de lazer, que se acabou”, acrescenta Manoel Amaro da Silva, 47. Ele tem um bar na margem do curso d’água. “O fedor espanta os clientes, todos pensam que é o meu banheiro.”
O problema é mais grave, diz ele, porque o rio deixou de correr. “Como a água está parada e o leito está raso e estreito, o cheiro fica acentuado. Antes, as pessoas subiam nas árvores e pulavam no Beberibe, para tomar banho. Agora, só tem água quando chove. O rio servia ao bairro, mas o Beberibe está praticamente sem vida”, destaca Manoel Amaro.
Um pouco mais adiante, onde o Beberibe divide as cidades do Recife e Olinda, o cenário é o mesmo. “Esse rio era uma bênção e acabaram com tudo, por causa das ligações de esgoto. Tive o desprazer de acompanhar a morte do Beberibe”, lamenta o funcionário público aposentado Nivaldo Félix, 62. Ele mora defronte ao rio, no bairro de Dois Unidos, Zona Norte do Recife, há 58 anos.
Na margem contrária, em Caixa d’Água, município de Olinda, o esgoto que desce a céu aberto da Rua Alto do Passarinho não deixa o aposentado mentir. Nivaldo conheceu o rio com outra configuração. “Era bonito, limpo, a gente bebia da água sem nenhum tipo de tratamento. Pegava e colocava no pote. Fico com os olhos cheio d’água quando lembro disso”, declara.
Nivaldo aponta para as obras inacabadas de urbanização das margens do rio, como um sinal do abandono do Beberibe. “É o serviço do Prometrópole (Programa de Infraestrutura em Áreas de Baixa Renda), de saneamento e calçamento da rua, suspenso há cerca de três meses”. Assim mesmo, ele se mantém otimista. “O rio tem jeito, depende dos governantes.”
As intervenções, ressaltam moradores de Peixinhos no Recife e em Olinda, não podem demorar. Um pedaço do rio, por trás do antigo matadouro, solidificou e virou floresta. Outra parte acumula uma quantidade grande de lixo. “Nunca vi uma limpeza no Beberibe, a sujeira atrai tudo o que é bicho. Sei que não é seguro morar na beira do rio, mas é minha única opção de vida”, declara Maria Severina da Silva, 27, de Sítio Novo, Olinda.
Debaixo da Ponte do Limoeiro, na área central do Recife, o pescador Antônio Nunes, 47, é prejudicado pela poluição e pela pouca profundidade do curso d’água. “O plástico (copos e garrafas) acaba com o rio. Trabalho aqui há 20 anos e pegava peixe fácil. O governo não liga para o Beberibe, tudo fica na promessa”, constata.
A viagem termina por trás do Palácio do Governo, a foz, ponto de encontro com o Rio Capibaribe. “Bonito não deixa de ser, a paisagem encanta a todos, mas a sujeira é enorme”, diz Telma Brito, 51, que mora na Rua da Aurora e vê o rio passar na janela.
(Por Verônica Falcão - Blog do Meio Ambiente)